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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Imaginação simples



Hoje, esta música está a aparecer nos noticiários porque passaram 30 anos da morte do assassinato de John Lennon. Penso que é uma música que todas as pessoas aprenderam a gostar sem chegarem a aprender a conhecê-la. Particularmente para um cristão, é difícil gostar dela por completo, porque a letra está carregada de elementos e de um espírito que colide com a perspectiva cristã das coisas. Desde imaginar que não existem Céu ou Inferno, ou querer a inexistência de países, ou não ter motivos pelos quais se deva matar ou morrer, querem dizer, no fundo "não era melhor se tudo fosse mais simples?". Não condeno o querer as coisas simples, desde que elas possam de facto ser simples. Poderia haver menos burocracia, as pessoas poderiam deixar de se chatear por pormenores periféricas, a linguagem poderia pregar menos partidas, poderia haver menos informação a distrair-nos das coisas importantes, poderia haver menos diversidade de oferta religiosa, as pessoas podiam ser menos orgulhosas e mais sinceras, etc. Há tantas coisas que poderiam e deveriam ser mais simples, e é essencial que consagremos uma parte da nossa criatividade, da nossa Imagine, a não só vislumbrá-las, mas também a pensar em formas de as atingir e perceber o nosso papel o processo.

Mas de modo nenhum devemos entregar-nos ao wishful thinking de John Lennon, e gastar tempo a pensar que "era tão fixe se". A espiritualidade cristã vive de outra atitude. Desperta-nos para a realidade como ela é, independentemente de ser complicada ou simples. Tanto devemos procurar ser simples como as pombas, como prudentes como as serpentes. Nem a própria "vida em paz" deve ser desejada de uma forma necessariamente simples.

Há em Imagine, um outro lado, que é o espírito de anexação, de querer que todos sejam como o autor da música, e que por fim, que todo o "mundo possa viver como um". Esta parece ser uma ideia retirada da espiritualidade oriental, em que a redenção envolve a nossa extinção e absorção pelo "Um". Mais uma vez, a espiritualidade cristã aponta outros caminhos. Segundo a Bíblia, seremos sempre um conjunto de "uns", cada um com os seus atributos e personalidade, cada um um ser individual e irrepetível, feito para durar pela eternidade fora. O discipulado cristão exige a crucificação do nosso eu, mas o efeito prático disso é a dádiva dos dons e a redenção do nosso ser. Estando dispostos a matar o nosso eu, receberemos o nosso verdadeiro eu. Aplicando ao relacionamento com os outros, de modo nenhum posso querer que os outros sejam como eu. Só posso querer que os outros sejam como Cristo, e, finalmente, se tornem eles mesmos. Em termos de respeito pela dignidade dos outros, isto bate John Lennon aos pontos.

No entanto, Imagine é uma canção lindíssima, que exprime desejos que poderia partilhar com Lennon, como as pessoas serem uma irmandade, não haver ganância nem fome, e até "não haver posses" está perto da ideia bíblica de sermos mordomos da Criação, e não proprietários. E em última instância, Deus deu a John Lennon um talento para a música e uma criatividade (simples) que só nos pode fazer bem apreciar. A beleza faz parte dos negócios de Deus. Vamos ouvir a música mais uma vez?